A importância de avaliar a efetividade das medidas de distanciamento social no controle da pandemia
By Neale Ahmed El-Dash on Apr 19, 2021
Neste post discutiremos a importância de se medir o efeito das medidas restritivas utilizadas durante a pandemia do Coronavírus. Também discutiremos como esta mensuração pode ser realizada, permitindo assim a salvação de todas as vidas possíveis, porém sem abrir mão ‘desnecessariamente’ de todos os outros aspectos importantes da nossa vida.
Introdução
Estamos todos convivendo com a pandemia do Coronavírus há mais de um ano. Apesar de todo esse tempo, a dinâmica do número de mortes causada pela doença ainda se mostra complexa e difícil de compreender. No Brasil, após uma redução gradativa das mortes entre julho e novembro de 2020, o número de óbitos voltou a aumentar. Esse aumento, denominado de segunda onda pelos epidemiologistas, começou no final do ano passado e perdura até hoje. O recorde de registro de mortes em 24h ocorreu no final de março de 2021, e mostra que ainda temos um longo caminho a percorrer para encerrar essa pandemia.
Além da dinâmica complexa do Coronavírus, a eficácia limitada das vacinas atualmente disponíveis deixa claro que o problema só será “resolvido” quando uma grande parcela da população for vacinada. E mesmo nesse cenário, pode ser que a pandemia não seja oficialmente encerrada por causa da existência das variantes do Coronavírus que podem reduzir ainda mais a eficácia das mesmas.
Como forma de tentar reduzir o impacto do Coronavírus na nossa sociedade, principalmente com relação ao número de mortes que ocorrem no país, governos de estados e municípios têm adotado diversas medidas de combate ao vírus. O objetivo principal dessas medidas é reduzir o número de mortes “evitáveis,” como aquelas que ocorrem pela falta de leitos nas UTI’s dos hospitais. Na tentativa de atingir tal objetivo, entretanto, são tomadas decisões que afetam diretamente diversos aspectos das nossas vidas, como a proibição de circulação em locais públicos, a prática de esportes e atividades religiosas, aulas presenciais, funcionamento de estabelecimentos comerciais considerados não essenciais, toque de recolher, proibição do consumo e/ou venda de bebidas alcoolicas, entre outras.
As medidas adotadas não são iguais em todos os municípios e/ou estados. Por exemplo, o governo do estado de São Paulo adotou as medidas restritivas descritas nesse link. Os municípios, entretanto, têm um certo grau de autonômia para decidir quais medidas serão impostas. Tal autonômia ficou evidente no final do ano passado, quando algumas cidades litorâneas do estado não impuseram todas as restrições recomendadas. Outro exemplo, talvez o mais destacado pela mídia, foram as medidas adotadas pelas prefeituras de Araraquara e Bauru (como também o seu “suposto” impacto sobre o número de mortes causadas pelo Coronavírus nas respectivas cidades).
A discussão sobre quais medidas devem ser adotadas, pelo menos até o momento, me parece bastante superficial, principalmente a dicotomia entre a negação da gravidade da doença e salvação de vidas utilizada na discussão política do tema. Por um lado, claramente não faz sentido negar a importância de uma doença que causou o maior número de mortes no ano corrente. Por outro, se o único critério a ser considerado na adoção de medidas for o potencial para a salvação de vidas (da morte versus a vida), então toda e qualquer medida que poderia salvar vidas seria aceitável.
Sob essa ótica unilateral, parece incontestável que a medida mais efetiva no combate ao Coronavírus seria decretar prisão domiciliar, em regime fechado, para todas as pessoas que que não trabalham em atividades classificadas como “essenciais.” Não importa quem você é, se o seu trabalho não for essencial para a manutenção da nossa sociedade em geral (no sentido mais restrito imaginável), você estaria em prisão domiciliar por tempo indeterminado. Alguém têm dúvida de que essa medida seria mais efetiva que todas as medidas que já foram adotadas?
Porém tenho certeza que você, leitor, não quer que essa medida extremamente radical seja adotada. Eu também não quero. Não é apenas a questão da vida versus a morte que tem que ser considerada. Outros aspectos também são fundamentais, além da própria vida, como por exemplo a liberdade, a diversão, o direito de escolha e a qualidade de vida (estou intencionalmente excluindo a questão econômica dessa discussão). É como o refrão da música Comida, da banda brasileira de rock Titãs:
“A gente não quer só comida
A gente quer comida, diversão e arte
A gente não quer só comida
A gente quer saída para qualquer parte
A gente não quer só comida
A gente quer bebida, diversão, balé
A gente não quer só comida
A gente quer a vida como a vida quer”
As medidas que devem ser implementadas não são algo unânime nem óbvio, em grande parte porque cada pessoa tem as suas próprias preferências. Algumas pessoas dão importância maior à diversão do que à arte. E é natural que, sendo obrigadas a escolher, pessoas prefiram algumas restrições em relação a outras, principalmente se essas restrições afetarem menos o seu modo de vida. Quem gosta de ir a bares e beber, pode não se importar tanto com restrições relacionadas à pratica de atividades físicas. Quem frequenta a igreja, pode não se importar tanto com a proibição de aulas presenciais. Talvez a única escolha que seja praticamente unânime é que todas preferem viver do que morrer.
Entretanto, estas são escolhas indivíduais. Cada um tem direito a sua própria opinião, mas nossas escolhas pessoais também podem afetar outras pessoas. Ao tomar nossas decisões, podemos ou não considerar este aspecto. Porém, nossos governantes precisam agir de outra maneira. Seu papel é criar políticas públicas e essas impactarão a todos os cidadãos, independente da sua educação, religião ou nível social. Suas decisões devem então levar em consideração toda a população à qual representam.
Nesse contexto de políticas públicas, me parece claro que a decisão de quais medidas adotar deve ser fundamentada pela mensuração do impacto das mesmas. Também precisamos determinar por quanto tempo tais medidas são necessárias. Isso permitiria que decisões racionais sejam tomadas sobre como escolher as medidas mais efetivas em função do perfil demográfico de cada município e da gravidade da pandemia em um determinado momento do tempo.
Somente assim, medindo o impacto das medidas adotadas, será possível enxergar a luz no final do túnel, e proseguir com alguma confiança de que estamos indo no caminho certo. Tomar decisões baseadas somente nas opiniões de especialistas, mesmo que entendam o comportamento do vírus no nível microscópico, talvez não seja o melhor caminho se eles não conseguem prever o comportamento do Coronavírus no nível macroscópico. Foi a única opção possível quando não haviam evidências. Porém, agora, evidências existem. Durante a pandemia dezenas de medidas diferentes foram testadas em centenas de municípios no país todo, por longos períodos de tempo. O que é necessário fazer agora é extrair e analisar, da melhor maneira possível, a informação existente nessas evidências e utilizá-la para decidir quais serão nossos próximos passos para salvar todas as vidas possíveis, porém sem abrir mão desnecessariamente de todos os outros aspectos importantes da nossa vida.
Como medir a efetividade das medidas?
Mensurar o impacto de cada medida restritiva não é fácil. O número de mortes que ocorrem em uma cidade é um processo dinâmico, que varia no tempo. Além disso é influenciado por diversos cofatores externos, também dinâmicos, como por exemplo, as variantes do vírus existentes na cidade, o número de leitos disponíveis, a idade da população, a qualidade do sistema de saúde da cidade e dos municípios vizinhos, os hábitos da população e a aceitação das restrições impostas pelas medidas, bem como dezenas de outras variáveis potencialmente relevantes. Para medir a efetividade de uma medida então, é necessário calcular a sua influência enquanto os efeitos de outros fatores são concomitantemente controlados.
Comparações entre diferentes medidas realizadas em diferentes municípios, como a que é feita nessa reportagem, devem ser cautelosas. Não é fácil extrair de forma sistemática e imparcial o impacto de todos os cofatores para que uma comparação justa possa ser feita. Diversas suposições têm que ser feitas, o que torna a comparação claramente subjetiva. Além disso, podem existir cofatores importantes que desconhecemos, ou que não foram mensurados.
Na teoria, a comparação justa seria de uma mesma cidade com e sem a medida restritiva, no mesmo período de tempo. SE fosse possível seria necessário então apenas comparar o número de mortes causadas pelo Coronavírus em cada cenário, na mesma data, para saber o quão efetiva foi a medida. Desse jeito poderíamos estabelecer, de forma objetiva, uma relação de causa-efeito entre a medida utilizada e a redução de mortes. Essa seria a comparação ideal, porém é impossível. Ela só poderia ser realizada em universos paralelos.
Em termos práticos, e factíveis, é mais interessante nos preocuparmos em mensurar o efeito médio de uma medida em todos os municípios onde houve a implementação da mesma, do que comparar municípios diferentes com e sem a implantação da medida. Tal abordagem exigiria menos suposições, como também resultaria em efeitos estimados mais robustos. Para calcular esse efeito médio é importante considerar as diferenças mensuráveis entre os municípios, como questões sócio-demográficas e da saúde, como também as relacionadas ao vírus em sí.
Além do aspecto técnico, mencionado acima, a maior dificuldade em realizar essa análise está relacionada à obtenção dos dados sobre as medidas adotadas por cada município do país, e seus respectivos períodos de implantação. Para construir essa base de dados é necessário buscar na internet essas informações, de município em município, e de medida em medida. Além disso, quanto mais específica for a descrição da medida, mais difícil será a obtenção dos dados. Por exemplo, informações sobre uma medida descrita como “controle de acesso de clientes em supermercados” devem ser mais facilmente extraídas da internet do que de uma medida descrita como “proibição do acesso de mais de um membro da mesma família, simultaneamente, em supermercados”. Ou seja, quanto mais abrangentes forem as medidas analisadas, mais fácil será a obtenção dos dados; por outro lado, quanto mais específicas forem as medidas, mais nuances poderiam ser avaliadas entre elas. A especificação das medidas também afeta a análise dos resultados, pois haverá menos informações para medidas muito específicas, reduzindo a robustês das estimativas.
Em um projeto que executei recentemente, fiz uma análise similar a essa que estou sugerindo aqui, porém, por questões contratuais, não posso divulgar os resultados (pelo menos por enquanto). Ao realizar esta análise, reconheci imediatamente a importância desse tipo de resultado para o planejamento das ações de prevenção ao Coronavírus. Por isso, decidi escrever este post. Apesar da frustração de não poder mostrar os resultados, posso compartilhar meus aprendizados, além de sugerir publicamente que um banco de dados, como descrito aqui, seja compilado, compartilhado e analisado.
Abaixo descreverei, superficialmente, minhas sugestões. Serei vago porque o objetivo não é que minha análise seja reproduzida, mas que os impactos das medidas sejam avaliados. Independente dos detalhes/suposições que eu fiz, se as evidências forem claras o suficiente, diferentes análises devem produzir resultados semelhantes, talvez até com mais clareza do que os resultados obtidos da minha análise. Minhas sugestões técnicas são:
- Períodicidade Semanal: Como os dados de mortes por Coronavírus são, em sua maioria, indexados pela data de registro e não a de óbtio, grande parte da variação diária não está relacionada à dinâmica do vírus, mas sim à dinâmica do registro - é apenas ruído. Agregar os dados semanalmente retira grande parte desse ruído.
- Excluir as duas semanas mais recentes: Pelo mesmo motivo descrito acima, as duas semanas mais recentes de dados sobre óbitos contém dados incompletos, os quais distorcem os resultados da análise. Eles devem ser retirados ou ajustados para levar em conta que são incompletos.
- Referência relativa: O efeito das medidas não é igual em todas as semanas posteriores à sua implementação. Fazer uma análise que permite compreender e comparar a dinâmica desses efeitos pode ser importante para decidir quais medidas adotar em função do contexto. Assim, é melhor indexar a análise com um início relativo do que absoluto, ou seja, usar como referência a quantidade de semanas após a implementação da medida, e não a semana epidemiológica.
- Utilizar um modelo hierárquico: Modelos hierárquicos permitem que as informações de municípios diferentes sejam combinadas de forma eficiente, permitindo que as estimativas sejam mais robustas. Além disso, esse tipo de modelo geralmente é utilizado quando o objetivo é estabelecer relações de causa-efeito, pois permite que informações de diferentes níveis hierárquicos sejam consideradas simultaneamente.
- Priorizar mortes, não casos: As estátisticas de número de casos não são confiáveis; são artificiais. Quanto mais testes forem realizados, mais casos serão observados. Novos casos deixam de ser registrados não porque uma nova medida foi implementada, mas porque menos testes estão sendo realizados. Avaliar o impacto das medidas com relação ao número de mortes é muito mais informativo.
O indivíduo versus o coletivo
Como colocado na introdução, as escolhas de medidas a serem implementadas dependem de opiniões e avaliações individuais. Essa individualidade na análise de evidências gera diferenças no comportamento. Embora esta seção não precisasse ser incluída no post, eu o fiz porque quero discutir um pouco sobre como balancear a vontade do indivíduo versus o coletivo. Ainda vou escrever um post apenas sobre esse tema, porém é importante frisar que as pessoas podem tomar decisões diferentes mesmo se forem expostas às mesmas evidências. Quando as evidências são poucas, ou desconhecidas, ou distorcidas, a chance das decisões serem diferentes são ainda maiores.
Como estamos no meio da pandemia, as informações absorvidas pelas pessoas muitas vezes são erradas e/ou fragmentadas, dificultando a tomada das decisões das pessoas com relação ao Coronavírus, pois as percepções sobre o risco associado à doença são diferentes. Como um exemplo simples, a pergunta “Qual a chance de uma pessoa ser internada dado que ela pegou Coronavírus?” foi feita pelo New York Times em uma pesquisa de opinião pública. Sem entrar em muitos detalhes de como o cálculo foi feito, a chance correta está entre 1% e 5%. Como é possível ver no gráfico abaixo, mais de 50% das pessoas responderam que o risco era maior do que 20%. Ou seja, mais de metade da população americana acredita que de cada 5 pessoas contaminadas, pelo menos 1 pessoa será internada. Isso mostra que a percepção da maioria é de que a chance de internação é de 4 a 10 vezes maior do que o risco real.
Nesse exemplo bobinho fica claro que a opinião pública muitas vezes está simplesmente errada, ou no mínimo distorcida. Com isso em mente, fica evidente que nem sempre a opinião do coletivo deve prevalecer sobre a opinião do indivíduo. Como então um indivíduo consegue decidir racionalmente como agir, tentando contemplar tanto a sua vontade individual quanto a “vontade coletiva?” Não acho que exista uma resposta simples, muito menos universal, para essa pergunta.
Entendo que durante a pandemia do Coronavírus, a questão do coletivo versus o individual foi muito enfatizada, muitas vezes utilizada quase como uma forma de coação para que TODOS fizessem aquilo que era “claramente” o melhor para o Brasil todo: salvar o máximo possível de vidas. Apesar de entender a motivação por trás desse tipo de argumento, acho perigoso. Nem sempre o que é melhor para todos é conhecido. Se sempre existisse a escolha correta, no sentido absoluto, não haveria porque permitir que as pessoas fizessem suas próprias escolhas. Sem essas escolhas, a Democracia deixaria de ser necessária.
Acho importante também enfatizar a hipocrisia desse argumento da salvação de vidas acima de tudo. A hipocrisia fica evidente se compararmos a forma como a opinião pública se comporta com relação ao tabagismo. Hoje em dia, a maioria dos fumantes deve saber que o cigarro reduz sua expectativa de vida. Mesmo levando em conta os aspectos óbvios sobre o vício causado pelo cigarro e do poder econômico e político da indústria tabagista, não é exagero dizer que essas pessoas escolhem fumar. Não só escolhem, como o governo permite que tais escolhas continuem a existir, décadas depois que a nocividade do fumo à saúde foi comprovada cientificamente.
Usando o mesmo racional unilateral da vida versus a morte que vem sendo usado na pandemia, como é possível justificar a não proibição da venda e consumo de cigarros até hoje? Todo ano, de acordo com o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), o fumo é responsável por 7 milhões de mortes no mundo, mais que o dobro do total de mortes causadas pelo Coronavírus até hoje. Se você, leitor, acredita que essas escolhas só são permitidas porque são individuais, e não afetam outras pessoas (o coletivo), note que mais de 850 mil dessas mortes são de fumantes passívos. Além disso, o custo global do tabagismo, com relação à saúde e ao trabalho, é próximo de 1 trilhão de dolares por ano, 4 vezes mais do que os impostos pagos pela indústria tabagista, afetando indiretamente o acesso de milhões de pessoas a recursos da saúde.
O ponto dessa seção é apenas mostrar que tanto a opinião individual, quanto a coletiva, são relevantes, porém não existe uma forma óbvia de combiná-las para tomar decisões. Você deve respeitar a opinião dos outros, mesmo que ela seja diferente da sua, ou da opinião pública. Como disse John Stuart Mill, filósofo e economista britânico, considerado por muitos como o filósofo de língua inglesa mais influente do século XIX: “Se toda a humanidade menos um fosse da mesma opinião, e somente uma pessoa fosse de opinião contrária, a humanidade não seria mais justificada em silenciá-lo do que ele, se tivesse o poder, seria em silenciar toda a humanidade.”
Conclusão
De acordo com uma estimativa publicada recentemente, a expectativa de vida do brasileiro no ano passado foi reduzida em 2 anos. Se levarmos em consideração que, além disso, houveram diversas restrições na forma como podemos levar nossas vidas, pode-se argumentar que perdemos até mais tempo. A grande questão é quanto as medidas adotadas ajudaram a evitar a redução da expectativa de vida. Porque com certeza elas reduziram nossa liberdade e nossa qualidade de vida.
Muitas medidas diferentes já foram implementadas. Existem aquelas que não parecem fazer sentido nem na teoria, como por exemplo medir a temperatura de cada cliente antes de entrar no supermercado. Existem outras que aparentam ser redundantes, provavelmente com efetividade quase nula, como impedir que mais de um membro da família entre no supermercado ao mesmo tempo. Se as máscaras no ambiente interno já controlam a disseminação do vírus, porque criar outra(s) medida(s) redundante(s)? Existem também casos de medidas que foram idealizadas quando não tinhamos conhecimento específico do comportamento do Coronavírus no nível microscópico, que são mantidas até hoje mas não são necessárias, como o uso de máscaras em ambientes externos onde é possível manter uma distância aceitável de outras pessoas.
Também existem medidas que podem fazer sentindo porém sua efetividade é claramente especulativa. Por exemplo, a proibição dos jogos de futebol do Campeonato Paulista. Os jogos já acontecem sem torcida, existe um protocolo de segurança, e são poucas pessoas envolvidas se considerarmos o tamanho do estado de São Paulo. Talvez a transmissão dos jogos na televisão façam mais pessoas ficarem em casa, “compensando” o risco da exposição dos atletas e trabalhadores envolvidos, além de seus familiares?
Por mais que nossas ações pareçam corretas, é necessário medir a efetividade delas ao menos para confirmar esta hipótese. Nossa intuição muitas vezes está errada. Até a década de 80, por exemplo, o tratamento médico recomendado para a grande maioria dos casos de câncer era uma cirurgia extremamente agressiva, removendo todo o tecido e partes do corpo próximas ao tumor. Removia-se o máximo que era possível sem matar o paciente. A justificativa de que dessa forma reduzia-se a chance de que o câncer se espalhasse para outros orgãos assim aumentando a sobrevida do paciente era tida com incontestável à época. Posteriormente, quando estudos comparativos foram realizados, descobriu-se que essas cirurgias não aumentavam a sobrevida do paciente. Aumentavam apenas o seu sofrimento.
Mesmo quando as medidas restritivas adotadas parecem fazer sentido (com base nosso conhecimento do comportamento microscópico do vírus), ainda assim deveríamos medir o impacto delas no combate as mortes causadas pelo Coronavírus, permitindo a utilização apenas das medidas que de fato são efetivas no nível macroscópico. Talvez seja ainda mais importante avaliar o impacto das medidas que não parecem fazer tanto sentido nem na teoria. Se for possível ser curado removendo apenas um dedo, porque remover um braço inteiro?
A necessidade de mensurar a efetivade das medidas me parece ainda mais óbvia quando percebemos que os dados já existem, apenas precisam ser consolidados, algo que pode ser feito com um custo incrivelmente baixo. E pensando no futuro, os governos estaduais poderiam exigir que todas as medidas adotadas pelas prefeituras, e seus prazos de vigência, fossem registradas num site oficial, facilitando ainda mais a avaliação da efetividade das mesmas. Devemos fazer como Galileo Galilei, considerado por muitos como o pai da ciência moderna, sugeriu séculos atrás para que pudéssemos comprender as leis da natureza:
“Mensure o que é mensurável, e torne mensurável aquilo que não o é.”