Como decidir qual é a melhor estratégia para sair da quarentena?
By Neale Ahmed El-Dash on Apr 20, 2020
Neste post discutiremos como escolher o melhor caminho a seguir para sair da quarentena. A decisão depende muito do peso que atribuiremos aos diferentes aspectos do isolamento social na sociedade no curto e no médio prazo: a salvação de vidas, a disponibilidade de leitos, a redução salarial e a saúde da economia em geral. Precisamos entender como esses aspectos se inter-relacionam e como impactam a nossa sociedade. Para isso criamos um app que consegue calcular a interação dos efeitos desses aspectos baseando-se no perfil demográfico da população brasileira de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD). Com esse app é possível simular o efeito das suposições do usuario a respeito do Coronavírus, e de diferentes cenários de flexibilização do isolamento social, na população brasileira.
Introdução
Depois dos reconhecidos efeitos desastrosos do Coronavírus (COVID-19) e a declaração da situação como pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS), foram adotadas medidas para conter a disseminação desse vírus pela grande maioria dos países. No geral, foram adotados três tipos de medidas: isolamento dos infectados e rastreaamento pessoas com as quais eles tiveram contato, restringimento a livre circulação entre países e/ou cidades e isolamento social.
Na maioria dos paises, a principal estratégia adotada tem sido alguma forma de isolamento social, porém existem variações entre elas. Quem é isolado de quem? Como? E por quanto tempo? De acordo com o Mnisterio da Saude (do Brasil), existem dois (principais) níveis de isolamento: Distanciamento Social Seletivo (DSS), conhecido como isolamento vertical, e Distanciamento Social Ampliado (DSA), o chamado isolamento horizontal. Há ainda um terceiro nível, chamado de bloqueio total, ou lockdown, na qual ninguém é permitido circular, a não ser para fornecer os serviços essenciais. É importante entender as diferenças entre elas, e por isso vou esclarecer melhor as duas abordagens discutidas no Brasil (usando esse site como referência):
- Distanciamento Social Ampliado (DSA): Esta forma de isolamenteo social é bastante restritiva. Envolve o cancelamento de eventos e do trabalho presencial em escritórios, como também o estimulo ao teletrabalho, tudo a fim de evitar aglomerações de pessoas. Serviços essenciais são mantidos e atividades como sair para passear com o cachorro , andar de bicicleta e caminhar na rua não são proibidas, desde que seja mantido um distanciamento entre pessoas de pelo menos 2 metros. Contudo, autoridades locais poderiam exigir (implantar) outras restrições, que deveriam ser respeitadas.
- Distanciamento Social Seletivo (DSS): O isolamento nessa abordagem é menos restritivo para a população em geral, desde que as pessoas estejam assintomáticas, porém pessoas que tenham mais que 60 anos ou condições crônicas de comorbidade (o grupo de maior risco) devem permanecer em seu domicilio. Embora essa abordagem seja uma medida menos danosa para as atividades econômicas e menos traumática para a população em geral, é preocupante sua aplicação sem as condições minimas de funcionamento do sistema de saúde (leitos, ventiladores mecânicos, EPI’s), pois seria difícil de controlar a transmissão do vírus e as pessoas do grupo de risco podem continuar tendo contato com pessoas infectadas.
No Brasil, as ações adotadas variam entre estados e cidades, porém no geral optou-se por algum tipo de isolamento horizontal1, ou DSA. Cogitou-se o isolamento vertical em alguns casos específicos, porém a maioria dos especialistas parece acreditar que o isolamento vertical não funcionaria, como apontado nessas entrevistas com especialistas e até com o novo ministro da saúde.
Mas algum dia vamos ter que sair do isolamento horizontal; algum dia vamos querer voltar a uma vida normal. Diferentes avaliações do cenário atual podem levar à adoção de estratégias distintas para afrouxar o nosso confinamento. A estratégia adotada precisaria levar em consideração dois aspectos fundamentais: salvar vidas no curto prazo, evitando que pessoas morram por causa do Coronavírus, e salvar vidas no médio prazo, evitando que pessoas morram por questões relacionadas a subnutrição e pobreza. Quanto mais tempo ficarmos em isolamento social horizontal, maior o impacto econômico, afetando empregos e também empresas. A melhor estratégia seria aquela que resultasse em menos mortes, considerando-se ambos o curto e o médio prazo.
Como existem preocupações relativamente antagônicas e opiniões muito polarizadas sobre a questão, vou tentar ser muito claro. Não devemos ter que escolher entre pessoas ou a economia. Muito pelo contrário, simplesmente estou dizendo que os dois aspectos são relevantes e que ambos devem e podem ser considerados. Não é possível escolher o melhor caminho a seguir sem considerar os dois lados e todos os aspectos da questão. Meu ponto é que mesmo se você, leitor, está convicto de que salvar vidas “hoje” é claramente mais importante do que os impactos que haverão nos empregos, nas empresas e na economia “amanhã”, não deve desconsiderar ou ignorar os argumentos do outro lado. Se a opção por vidas agora é claramente superior, ao debater os dois lados, a superioridade desse caminho deverá ficar ainda mais óbvia. Mas com uma vantagem: ao considerar os argumentos do outro lado, teria uma ideia melhor dos impactos economicos que ocorrerão no futuro, o que pelo menos nos permitiria tentar atenuá-los, ao invês de fingir que eles não existirão.
Por outro lado, você pode entender que mais mortes ocorrerão no médio prazo por causa dos efeitos desastrosos do Coronavírus na economia e que por isso é necessário sair o mais rápido possível do isolamento social. Nesse caso também você deve se preocupar com o outro lado do argumento: de que adianta sair rapidamente se a consequência dessa estratégia for perder todas as vidas que estávamos tentando salvar? Foi então tudo em vão? Os argumentos do outro lado são importantes para que você entenda com que rapidez pode ser feita a retomada da economia, pois implícito no racional de voltar o mais rápido possível está justamente a questão de qual deve ser essa velocidade.
Um dos argumentos mais fortes dos que se preocupam mais na salvação da vida a curto prazo é o “achatamento da curva,” um conceito que vem sendo discutido bastante na mídia como uma forma de não sobrecarregar o sistema de saúde. Esse argumento apoia a adoção do isolamento horizontal para desacelerar a disseminação do vírus, para que o número de casos se espalhe ao longo do tempo em vez de haver um pico muito elevado em um curto período de tempo; desse modo podemos evitar uma sobrecarga no sistema de saúde, e consequentemente salvar vidas. Esta estratégia se baseia numa suposição implícita muito forte: pressupõe-se que se houverem leitos hospitalares e respiradores suficientes para os infectados, não haverão vítimas fatais. Esta suposição não me parece representar a realidade. Acredito que muitas pessoas, principalmente idosos (e pessoas com comorbidades) morrerão ao contrairem a doença mesmo com todas as condições hospitalares adequadas. Ou seja, existe um subgrupo da população que não deveria ser exposto ao vírus.
Entretando, somente existem duas formas para evitar o contato desse grupo de risco ao vírus: ser imunizado por uma vacina (que ainda não existe) ou esperar sem exposição até que o vírus seja naturalmente eliminado (ou bastante reduzido) da população (o que poderia levar muitos meses até acontecer). Será que deveríamos esperar, todos enclausurados, em quarentena, até uma dessas situações se estabelecer para sair toda a população de uma vez? Parece mais sensato achar um caminho de migração gradativa do isolamento horizontal para alguma variação de isolamento vertical. Dessa forma imunizaríamos controladamente a população de baixo risco, acelerando o ciclo de vida do vírus, porém evitando a sobrecarga do sistema de saúde, e ao mesmo tempo também evitando a exposição da população de alto risco.
Para sair do isolamento horizontal e passar incrementalmente ao vertical, a acelaração ideal, ou ótima no sentido de salvar mais vidas no curto e no médio prazo, quase com certeza absoluta não será nem 0%, e nem 100%. Provavelmente também não será constante. Como não existem experimentos científicos realistas para avaliar as diferentes estratégias, não será possível ter certeza do caminho a seguir antes de começar a percorrê-lo, e muito menos adotar uma mesma medida para todo o país. Tudo indica que teremos que testar diferentes estratégias: se forem bem suscedidas, as mantemos, e se forem mal-sucedidas, as alteramos ou descartamos. Pisaremos no acelerador, e depois no freio, repetidas vezes. Quando você está dirigindo de noite, numa estrada desconhecida, sinuosa, você acelera a velocidade máxima, simplesmente torcendo para não ter uma curva fechada na sua frente? Ou mesmo que você tenha pressa, você controla sua velocidade à espera da próxima curva, acelerando um pouco mais quando vê uma reta, e reduzindo quando tem incerteza sobre o trajeto a frente?
A maioria dos relatórios preparados para auxiliar os governos a “guiarem” seus países nessa escuridão consideram alguma estratégia do tipo de tentativa e erro, como pode se visto nos relatórios da Universidade de Johns Hopkins, da revista Science e da FIESP. Porém não estamos falando aqui de testar cegamente uma estratégia e torcer para que ninguém morra. Muito pelo contrário. Estamos falando em tomar decisões pautadas em uma avaliação dos riscos potenciais das medidas de flexibilização do isolamento social, combinada com uma estimativa em tempo real da velocidade de disseminação do Coronavírus.
Essa velocidade de disseminação do vírus é usualmente avaliada usando a estatística do número efetivo de reprodução (\(R_t\)), que é a média do número de pessoas que foram infectadas por uma única pessoa infecciosa, no tempo \(t\). Se o \(R_t\) for maior que \(1\), quer dizer que o vírus está espalhando numa velocidade acelarada. Se for menor do que \(1\), quer dizer que sua velocidade de disseminação está desacelerando. Um problema com essa estatística é que pode levar semanas para que pessoas infectadas sejam contabilizadas. Entretando, alguns métodos já foram desenvolvidos para estimar o \(R_t\) em tempo real, apesar da demora na contabilização. Como exemplo, nesse site a medida é calculada diariamente para os estados do EUA. Para avaliar o risco pontencial da flexibilização das medidas de isolamento social no Brasil, e os seus impactos positivos e negativos na sociedade, é necessário fazer suposições, e imaginar cenários relevantes. Neste post, propomos um modelo simples para avaliar esses riscos, o qual será discutido em detalhes posteriormente.
A estratégia proposta então seria avaliar os riscos envolvidos com a flexibilização das medidas de isolamento. Se os riscos forem aceitáveis de acordo com a pessoa realizando a análise (o decisor), as alterações consideradas podem ser implementadas. Após isso, estima-se continuamente o \(R_t\), avaliando velocidade de disseminação da doença. Se o \(R_t\) não aumentar, a alteração pode ser vista como efetiva, pois reduz o nível de isolamento sem piorar a disseminação da doença. Se o \(R_t\) aumentar, então talvez a medida tenha que ser revista. Pode ser que apesar de o risco ter parecido aceitável, as alterações implementadas não foram adequadas ou não foram respeitadas pela população. Esse processo se repetiria continuamente, reduzindo gradativamente o isolamento até que grande parte da população tenha imunidade ao Coronavírus no Brasil, ou quem sabe até a completa eliminação do vírus.
Testes em massa na população também podem ser utilizados para ajudar a entender qual é o grau de imunidade da população, que é o critério de parada dessa estratégia. Além disso, esses testes ajudariam a obter uma estimativa mais precisa da real letalidade do Coronavírus, pois permitiriam avaliar a sub-notificação da doença, algo que por sua vez ajudaria a re-avaliar os riscos das medidas de flexibilização do isolamento. A ideia não é testar a maior quantidade possível de pessoas, mas sim de selecionar amostras da população, utilizando critérios estatísticos. Dessa forma, controlamos a precisão que é necessária para o processo decisório descrito acima, porém economizamos recursos importantes, os quais poderiam ser melhor utilizados, por exemplo, desenvolvendo testes laboratoriais mais precisos.
Para adotar esse tipo de estratégia precisaríamos então pensar cuidadosamente sobre como podemos manter os mais idosos e aqueles com comorbidades seguros, em isolamento, enquanto o resto da população voltar, incrementalmente, à vida normal. Dois aspectos que tiveram destaque no debate da flexibilização do isolatmento social são o retorno dos estudantes e da força de trabalho do país. Com relação à proteção daqueles com maior risco, duas opções também parecem mais relevantes: isolamento completo no domicilio de residência dessas pessoas, ou saida limitada do domicilio mas utilizando máscaras (e óculos de proteção).
Pensando nas diferentes possibilidades do isolamento vertical, e nos riscos associados com as diferentes opções de flexibilização do isolamento, desenvolvi um simulador baseado nos microdados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD), realizada trimestralmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE). Essa pesquisa é utilizada pelo governo para mensurar diversos aspectos de emprego e salário no país. A importância de utilizar os resultados dessa pesquisa é que dessa forma limitamos as suposições que terão que ser feitas apenas a questões relativas ao Coronavírus e seu impacto na sociedade. Já temos um retrato confiável e detalhado do país no que tange à população brasileira, sem a necessidade de fazer ainda mais suposições. No restante deste post, discutirei as variáveis que são consideradas nas simulações, as possiblidades analíticas das informações disponíveis e também como utilizar o app que foi desenvolvido para que você, leitor, possa fazer a suas próprias suposições sobre a realidade que estamos vivendo e simular e compreender os possíveis impactos das diferentes medidas de isolamento social.
As informações consideradas pelo simulador
O simulador
O simulador apresentado aqui começou a ser desenvolvido como uma tentativa de responder a uma pergunta simples e direta: qual o percentual da força de trabalho do Brasil estaria “livre” para trabalhar se todos os trabalhadores que residem em domicílios onde nenhum morador tem mais de 50 anos pudessem trabalhar?
Meu objetivo com a pergunta era tentar entender a viabilidade de uma variação do isolamento vertical, onde apenas residentes de domicilios que não tivessem nenhuma pessoa do grupo de risco no que se refere à idade (acima de 50 anos) pudessem voltar a normalidade. Para responder a essa pergunta, utilizei os microdados da PNAD e contei quantos moradores pertencentes à força de trabalho residiam em domicilios onde a idade do morador mais idoso fosse menor do que 50 anos. Descobri que pouco mais de 52% da força de trabalho do Brasil estaria disponível para trabalhar nesse cenário. Ou seja, o Brasil poderia operar com 50% da sua capacidade. Me pareceu promissor. A próxima pergunta foi: nesse mesmo cenário, quantas internações e mortes ocorreriam? Fazendo algumas suposições sobre a letalidade do Coronavírus, obtive 1,1 milhões de internações e 1.800 mortos.
Nesse mesmo cenário, também me perguntei sobre redução salarial desses trabalhadores que não pudessem voltar ao trabalho. Quais suposições teria que fazer nesse caso? Consigo avaliar o impacto no salário do brasilero das medidas de assistência anunciadas pelo governo? E se um percentual da população exposta usasse mascaras e óculos, ou outra medida de proteção individual ainda mais efetiva, qual o impacto? De pergunta em pergunta, e cenário em cenário, percebi que haviam tantas possibilidades, e tantas suposições, que era melhor deixar cada um fazer a sua própria simulação. E mais que isso, essa era uma forma muito interessante de comparar sob as mesmas suposições o risco de medidas de isolamento diferentes, que de uma forma ou outra, estavam competindo entre si para serem implementadas.
Os dados sobre a população brasileira
A PNAD existe em várias versões, pois além dela ser publicada em períodos consolidados diferentes (mensalmente, trimestralmente e anualmente), ela inclui alguns módulos específicos que são aplicados apenas em um trimestre, ou apenas em um subgrupo dos domicílios, ou também apenas na primeira vez (visita) que um domicílio é incluído na pesquisa. O simulador é baseado nos microdados da PNAD Contínua de 2018, que considera apenas a primeira visita aos domicílios; optei por utilizar essa versão da PNAD um pouco mais antiga porque nela existem informações sobre a infra-estrutura do domicílio, as quais poderiam ser utilizadas para testar diferentes cenários de disseminação do vírus. Para atualizar os valores de rendimentos e salários para o valor real de março de 2020, considerei o fator de correção da inflação de 1,677, baseado na série histórica do IPCA do período de janeiro de 2019 a março de 2020.
Nesse recorte considerado da PNAD, existem informações sobre 452 mil pessoas, as quais residem em 152 mil domicílios. Além disso, existem diversas informações sobre a composição familiar, infra-estrutura do domicílio, e auxílio recebido do governo, além de informações dos indivíduos como sexo, idade, escolaridade, trabalho e rendimento, posse de carteira assinada, ocupação, setor de atividade da empresa onde a pessoa trabalha, e muito mais. No dicionário de dados dessa pesquisa são listadas mais de 280 variáveis.
Os dados da PNAD mostram com muito detalhe diversos aspectos relevantes da nossa sociedade, os quais permitem avaliar muitos dos riscos da redução das medidas de isolamento do Coronavírus. Entretanto, a pesquisa não contém informações relacionadas à saúde e a comorbidades, as quais seriam claramente importantes para se fazer uma avaliação mais completa do cenário atual. Apesar dessa enorme ressalva, optei por essa forma de avaliar os riscos discutidos neste post porque posso utilizar apenas dados públicos.
Também considerei outra fonte de dados para enriquecer a análise: o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), de onde obtive o número de óbitos em 2018 e o número de leitos de UTI, públicos e particulares, disponíveis no país em março de 2020. Ambas essas informações foram obtidas no nível de município, o que me permitiu incorporar esses dados aos da PNAD no seu nível geográfico mais refinado: Capital, Região Metropolitana (RM), Região Integrada de Desenvolvimento (RIDE) e área restante, dentro de cada estado.
O simulador depende de parâmetros relevantes e estabelece valores iniciais (default) baseados nas informações disponíveis em vários sites, mas esses valores podem ser alterados pelo usuário. Os parâmetros utilizados incluem medidas relacionadas à disseminação e desenvolvimento da doença, aos efeitos na renda do trabalhador e aos grupos potencialmente confinados (ou liberados) pelo isolamento social (setor de atividade econômica, idade do morador mais velho e frequência à escola).
Parâmetros e suposições relacionados ao salário
Esse conjunto de suposições do simulador diz respeito ao impacto do Coronavírus na renda domiciliar mensal per capita das pessoas. Essa medida de rendimento foi escolhida por levar em conta, ao mesmo tempo, a renda total do domicílio e o número de moradores. Utilizando essa medida, posso também considerar como são impactadas pelo vírus não somente pessoas que recebem um salário, como também as pessoas que não têm rendimento e dependem de suas famílias para sobreviver.
Dois subconjuntos de parâmetros podem ser alterados pelo usuário no simulador: um fator de redução do salário do trabalhador, dependendo do tipo de ocupação, e também uma adição pontual na renda mensal das pessoas, contempladas pela adoção de algumas medidas propostas pelo governo, com o objetivo de trazer alívio financeiro às pessoas de baixa renda durante o isolamento social.
Para a redução do salário do trabalhador, considerei que pessoas que não puderem trabalhar por causa do isolamento social terão uma redução salarial, como pode ser visto nesta notícia. Também considerei que não haverá redução de nenhum tipo de auxílio recebido do Governo (as reduções não se aplicam nesses casos). Criei os grupos de ocupação listados na tabela 3, permitindo que o fator de redução aplicado àquela ocupação seja alterado. Também permito que fatores diferentes sejam usados dependendo do local de residência: Capital/Região Metropolitana e Outros lugares. Os agrupamentos de atividade procuram separar tipos de ocupações que podem ter problemas especifícos de geração de renda durante a quarentena. Especificamente, identifiquei os trabalhadores sem carteira assinada, os que trabalham por conta-própria, e aqueles com trabalhos que dificilmente seriam executados de casa e para os quais o Home office não seria uma opção. A inviabilidade do Home office levou em conta o local do trabalho principal da pessoa: se for “Em domicílio de empregador, patrão, sócio ou freguês,” “Em veículo automotor (táxi, ônibus, caminhão, automóvel, embarcação, etc.)” ou “Em via ou área pública (rua, rio, manguezal, mata pública, praça, praia etc.)” considerei que seria difícil trabalhar de sua própria residência.
É importante ressaltar que o critério de definição da viabilidade do Home office adotado aqui é extremamente superficial. Poderia ser feito de forma muito mais realista se considerasse simultâneamente a ocupação do trabalhador e o setor econômico da empresa onde ele trabalha. Entretanto, por simplicidade, mantive o critério adotado aqui.
Os fatores de redução default dos parâmetros incluídos no simulador estão descritos na tabela 3. Destaquei em vermelho os grupos de trabalhadores que consideram seriam mais expostos. Por exemplo, estou supondo que o trabalhador sem carteira assinada pode perder até 50% do seu salário, e aquele que trabalha com serviços domésticos até 60%. Esses fatores de redução salarial não levam em conta uma perda eventual de emprego. Devem ser então utilizados pensando no impacto desses dois aspectos.
Local do Município de residência |
Tipo de trabalho do morador |
Fator de redução do salário |
---|---|---|
Cap/RM | Empregador | 0.8 |
Cap/RM | Serviços Domésticos | 0.6 |
Cap/RM | Sem Carteira | 0.5 |
Cap/RM | Conta-própria | 0.8 |
Cap/RM | Outros-HomeOffice possivel | 0.9 |
Cap/RM | Outros-HomeOffice impossivel | 0.7 |
Outros | Empregador | 0.8 |
Outros | Serviços Domésticos | 0.6 |
Outros | Sem Carteira | 0.5 |
Outros | Conta-própria | 0.8 |
Outros | Outros-HomeOffice possivel | 0.9 |
Outros | Outros-HomeOffice impossivel | 0.7 |
Com relação às medidas propostas pelo Governo para o alívio dos trabalhadores de baixa renda, considerei as medidas descritas nessa notícia:
- Auxílio mensal de R$600 para trabalhadores informais (por três meses).
- Auxílio à mulher que for mãe e chefe de família de R$ 1,2 mil por mês (por três meses).
- Antecipação das duas parcelas do 13º salário de aposentados e pensionistas do INSS para abril e maio (por dois meses).
- Antecipação do pagamento do abono salarial para junho (por um mês).
- Reforço ao programa Bolsa Família de R$ 3,1 bilhões (por três mês).
Quando os valores desses auxílios são referentes ao valor do salário do trabalhador, considerei apenas o trabalho principal. Na questão do Bolsa Família, aumentei o valor recebido em 241%, que é aproxidamente o tamanho relativo do reforço dado pelo governo ao programa distribuído por um período 3 meses. Outra simplificação foi classificar como trabalhador informal todos os trabalhadores sem carteira de trabalho assinada. Ao utilizar essas opções de alívio financeiro às famílias, o usuário deve lembrar que os recursos são limitados a alguns poucos meses; então se a simulação for feita considerando mais meses de isolamento social, esse recursos, na realidade, não existirão. Esse controle deve ser feito pelo usuário. Além disso, lembre-se de que alguns desses auxílios são apenas antecipações salariais. Ao iniciar o simulador, todas as medidas de alívio financeiro estão desabilitadas.
Os resultados do simulador
Os resultados do simulador são apresentados em quatro tabelas distintas. Na primeira, comparamos a distribuição populacional por faixas de renda domiciliar per capita original da PNAD (de 2018 ajustada pela inflação), com a distribuição levando em conta o impacto do isolamento social e das medidas de auxílio do Governo, de acordo com os parâmetros definidos na simulação.
Na segunda tabela, mostramos um retrato da população por faixa etária. Nesse retrato, mostra-se a população brasileira por faixa etária, bem como a força de trabalho e o número de estudantes liberados do isolamento social. Também mostramos o número de pessoas expostas (possivelmente infectadas), e o número de internações e mortes causadas pelo Coronavírus. Todas as quantidades são calculadas levando em consideração os parâmetros do simulador que controlam o isolamento social e o impacto do Coronavírus na sociedade.
Nas outras duas tabelas, os resultados apresentados são similares ao retrato por faixa etária, porém mostram a situação em diferentes regiões geográficas do Brasil: a primeira mostra o retrato por Região e a outra o retrato por Estado. Em ambas essas tabelas, também incluímos o total de leitos de UTI do país, e o número de mortes registradas em 2018, para serem usados como referência.
O app do simulador
O app online com o simulador discutido e utilizado aqui está acessível nesse link e também nessa seção do post. Se você, leitor, tiver dificuldade de visualizar o app, recomendo utilizar o link e abrir o app em uma nova aba. Se ainda assim as dificuldades de visualização persistirem, uma opção sempre útil é apertar os botões CTRL e - do teclado ao mesmo tempo.
O uso do app é simples; basta escolher as opções específicas de flexibilização do isolamento social e clicar no botão Simular. Se você quiser alterar alguns dos parâmetros relativos aos salários ou ao impacto do Coronavírus, também basta clicar na aba desejada, e editar os parâmetros apresentados nas tabelas (clicando duas vezes no número e depois apertando ENTER).
Conclusão
Tenho pensando bastante sobre como devemos sair da quarentena. Confesso que tudo que escrevi neste post, fiz com um objetivo bem claro: quero sair da quarentena. Minha motivação foi totalmente egoísta. Quero voltar a praticar esportes coletivos, quero viajar com as minhas filhas, quero que minhas filhas voltem pra escola, quero voltar a frequentar bares e restaurantes, quero ir num show de rock, quero fazer um churrasco onde posso convidar todos os meus amigos, entre outras coisas banais que parecem ganhar mais importância a cada novo dia passado em isolamento social.
Porém, ao escrever o post, comecei a me preocupar também com as outras pessoas. Não só com meus familiares e amigos, porém com todos aqueles que estão tendo sua liberdade cerceada. A liberdade é, sem sombra de dúvida, uma das maiores conquistas da humanidade. E se tem alguma coisa que esse vírus tirou além da vida de milhares de vítimas, foi a liberdade de bilhões de pessoas.
Eu quero a nossa liberdade de volta. Porém também não quero que mais pessoas morram por isso. A estratégia de saída da quarentena que eu discuti aqui permite que ambos esses objetivos sejam contemplados. Se a estratégia for bem executada, se os riscos das medidas implantadas forem bem avaliados, e os impactos resultantes na sociedade acompanhados de perto, perderemos nossa liberdade por menos tempo, perderemos menos vidas no curto prazo e perderemos menos vidas no médio prazo. Ficarmos sentados, escondidos, apenas torcendo para que o vírus vá embora não é uma boa estratégia e mais pessoas morrerão. Temos que ser espertos, e agir com cautela, porém agir.
O simulador que eu apresento neste post pode ser melhorado, e muito. Muito mesmo. Outras possibilidades de flexibilização das medidas de isolamento podem ser consideradas; dados individualizados e sigilosos aos quais somente o Governo tem acesso, podem ser utilizados; decisores com conhecimento muito mais profundo sobre o tema podem pensar em estratégias viáveis mais complexas para implementação; infectologistas podem utilizar modelos e fazer suposições mais realistas sobre a letalidade do vírus no Brasil; economistas podem pensar mais detalhadamente sobre os impactos econômicos das medidas de isolamento; profissionais da área da saúde podem definir regras de distanciamento específicas para cada setor de atividade econômica; as secretarias de segurança pública podem implementar medidas mais específicas de fiscalização e apoio à população.
Nesse momento em que vivemos, muitas pessoas estão com medo, preocupadas apenas em lutar pela sua própria vida ou a de seus entes queridos. A forma como fomos forçados a entrar em quarentena, quase coagidos por previsões exageradas do número de mortes causadas pelo Coronavírus, fez com que todos ficassem com medo. Agora temos uma ideia melhor da letalidade do vírus, e também dos grupos de risco. Agora temos que ser racionais, e ter coragem. Somente quem sente medo pode ter coragem. O medo não deve fazer com que fiquemos congelados no lugar, sem reação. O medo deve fazer com que andemos com cautela, prontos para o pior, porém andando em direção a um futuro melhor.
De tudo que eu vi, analisei e testei, minha opinião é que devemos isolar todos os domicílios onde residam pessoas de 50 anos ou mais, pois esse é o perfil de risco, juntamente com as que tem comorbidades. Eu não consigo, com os dados disponíveis, avaliar os riscos de liberação daqueles com comorbidades, porém consigo fazer essa avaliação com relação aos domicílios com pessoas mais velhas.
A lógica funciona; o risco é muito baixo para os outros e poderíamos ir do horizontal para o vertical com a velocidade que escolhermos. Mas é essencial proteger os idosos. Eles não podem ser liberados do isolamento social. Somente poderiam sair de casa eventualmente, por curtos períodos, e com muito cuidado. Precisariam usar sempre o equipamento de EPI e entender, e respeitar, as normas para a colocação e retirada dos mesmos. Talvez precisaríamos investir nos idosos e alocar cuidadoras para cuidar de cada um que necessita, ajudando a vencer o vírus, o tédio e o medo.
Sei que muitos idosos não aceitam o isolamento. Não conseguir encontrar com a família, com os netos e bisnetos, pode ser muito dificil para eles. Não poderiam fazer o que estão acostumados a fazer, nem a ajudar as suas familias. Essa distância pode facilmente levá-los à depressão. Estão há muito tempo acostumados a viver as próprias vidas, sem interferência. Mas para o país poder sair da quarentena de forma relativamente rápida e segura, é imprescindível resguardar os idosos.
É fácil falar que temos que isolar um grupo da população ao qual não pertenço. É conveniente e cômodo, visto que não serei eu que perderei as minhas liberdades por mais tempo. Entretanto, escrevo este post com a ajuda da minha mãe, que tem mais de 70 anos e é hipertensa; com certeza seria vulnerável ao Coronavírus. Ela está em isolamenteo total desde a chegada do vírus no Brasil. Fazemos as compras para ela e as deixamos na garagem. Ela recolhe, e depois higieniza cada item antes de utilizar. Ela sai no máximo uma vez por dia para fazer exercícios, sozinha, tomando as precauções necessárias, e não tem contato com outras pessoas, nem as suas netas! Sente na pele a dificuldade desse tipo de isolamento, mas mesmo assim, também reconhece que é o unico caminho até conseguir uma vacina.
Tenho certeza que todos os profissionais que mencionei acima, coletivamente, poderiam encontrar um plano de ação melhor que o meu: mais completo, mais detalhado, com nuances que nem passaram pela minha cabeça. Sou todo “ouvidos”. Porém, por enquanto, acredito que esse seja o caminho. Você, leitor, acha que o caminho deve ser outro? Então provoco você a usar o simulador e testar as diferentes possibilidades. É como brincar de Deus e ver as consequências dos seus atos. E ao fazer isso, pense no balanço entre “hoje” e “amanhã”, entre o “individual” e o “coletivo”, entre “medo” e “coragem”, entre “previsão” e “realidade” e entre “fatos” e “fake news”. São muitas incertezas, eu sei. Mas espero que o simulador possa ajudar você a enxergar uma alternativa melhor, uma flexibilização viável do isolamento, da mesma forma como ele me ajudou.
Não quero forçar ninguém a escolher o mesmo caminho que eu identifiquei. Por isso, fiz o app de simulação para você poder ajudar a decidir o nosso futuro. Porém, eu sei que o caminho para a frente vai ser duro. A questão é apenas decidir como será. Perdemos várias liberdades para o Coronvirus; porém a liberdade de escolha ele ainda não tirou de nós. Não vamos jogá-la fora. Como disse Napoleão Bonaparte:
“Nada é mais difícil, e por isso mais precioso, do que poder decidir.”
Usarei ao longo deste post os termos isolamento horizontal e vertical pois é assim que a maioria das pessoas se referem a esses tipos de isolamento. Porém, está claro para mim que o termo isolamento horizontal não descreve corretamente o isolamento atualmente praticado no Brasil. É fácil argumentar que na verdade o isolamento que temos hoje é vertical, porém o critério de seleção para quem não ficará isolado está relacionado ao setor de atividade do trabalho do morador, e não à sua idade.↩︎