Mitos e fatos sobre o álcool
By Neale Ahmed El-Dash on Dec 10, 2019
Neste post discutiremos alguns mitos e fatos sobre o álcool, e como ele pode impactar a sua vida. As estatísticas apresentadas nesse post foram extraidas do filme da British Broadcasting Channel (BBC) sobre álcool, entitulado “The Truth About Alcohol.”
Introdução
Algumas semanas atrás assisti ao filme A verdade sobre o álcool no Netflix. É um documentário, que discute alguns mitos populares sobre o álcool, e apresenta as evidências científicas existentes para cada mito. Achei esse filme super interessante, e como estamos no final do ano, uma época onde as pessoas geralmente bebem mais álcool, achei que poderia ser um tema interessante para o último post do ano: além de ajudar a cuidar da saúde, pode também ser útil como conversa de bar!
Nesse post apresentarei cinco dos mitos discutidos no filme, cada uma em uma seção diferente, bem como as evidências apresentadas e os experimentos reproduzidos. Os experimentos do filme são pequenas replicações de experimentos maiores, desenhados com mais cuidado e controlados. Por isso então não me preocuparei em questionar as amostras pequenas utilizadas no filme. Entendo que o objetivo do filme era apenas passar a ideia do que poderia ser importante, e de alguma forma, humanizar a ciência, mostrando os resultados em pessoas com as quais você poderia se identificar. Diferentemente do que geralmente faço, nesse post não busquei informações de outras fontes. Me limitei a fazer pequenos comentários sobre como os experimentos apresentados poderiam ser melhorados.
Mito 1: Algumas pessoas ficam alcoolizadas mais rápidamente
O nível de embriaguês de uma pessoa depende da concentração de álcool no sangue. E a concentração de álcool depende, por sua vez, da quantidade de álcool ingerio, bem como da quantidade de água no corpo. Assim, pessoas que têm mais água no corpo demorarão mais para sentir os efeitos do álcool, pois é necessário ingerir mais álcool para ter a mesma concentração de álcool no sangue.
Experimento apresentado: Para demonstrar essa ideia na prática, o filme apresentou uma entrevista com algumas pessoas que se auto-classificaram de acordo com a sua resistência aos efeitos do álcool como sendo alta, média ou baixa. Para verificar a quantidade de água em cada participante, mensurou-se o volume do corpo de cada pessoa, bem como a quantidade de água. A quantidade de água no corpo de uma pessoa está relacionada à quantidade de músculos e gordura: músculos possuem bem mais água do que gordura. Para medir a quantidade de gordura no corpo, utilizou-se um aparelho que passa uma pequena corrente elétrica pelo corpo; dependendo da resistência à corrente elétrica, estimou-se a quantidade de água.
Mostrou-se no experimento que de fato as pessoas que se consideravam mais resistentes ao álcool tinham uma concentração maior de água no corpo. Talvez os resultados fossem mais interessantes se todos os participantes do experimento tivessem ingerido a mesma quantidade de álcool, para depois medir a sua concentração, porém o argumento justificando os resultados parece válido.
: Se você quer aumentar sua resitência aos efeitos do álcool, faça exercício. Quanto mais músculos no seu corpo, menor os efeitos do álcool!
Mito 2: Comer antes de beber é bom
A absorção de álcool pelo organismo ocorre no intestino delgado. Se uma pessoa está bem alimentada, demorar mais tempo para o álcool passar pelo estômado para chegar ao intestino delgado, fazendo com que o álcool seja absorvido mais lentamente.
Experimento apresentado: Duas pessoas participaram do experimento. Um homem e uma mulher, com peso e massa similares. O homem ingeriu um jantar reforçado, e a mulher não se alimentou. Os dois dividiram uma garrafa de vinho tinto. Ao longo da noite, mediu-se a concentração de álcool usando um bafômetro. O figado geralmente absorve uma quantidade de álcool equivalente a 1 dose de bebida destilada por hora; por isso mediuse a concentração ao longo da noite.
O homem, que se alimentou, tinha uma concentração menor de álcool no sangue do que a mulher em todos as mensurações realizadas (veja os resultados na tabela 1). Apesar da falta de controle de covariáveis que poderiam confundir os resultados (quantidade de alimento ingerido, sexo, concentração de água no corpo, eficiência do fígado, etc…), no filme menciona-se que estudos controlados já foram realizados, os quais corroboram esses resultados.
Tempo após consumo do álcool |
Homem (comeu) |
Mulher (não comeu) |
---|---|---|
20 min | 23 | 44 |
1 hora | 15 | 32 |
1.5 horas | 8 | 21 |
2.5 horas | 0 | 12 |
: Se você quer controlar/reduzir os efeitos do álcool, alimente-se bem antes de beber!
Mito 3: Comemos mais quando bebemos
Não se sabe porque ainda, porém existem evidências empíricas de que ao consumir álcool as pessoas tendem a comer mais.
Experimento apresentado: Dois grupos de participantes foram utilizados no experimento. Para um grupo, serviu-se cerveja com álcool, e para o outro, cerveja sem álcool. Ambos os grupos achavam que o experimento era sobre os efeitos do álcool na memória; então não sabiam que cerveja sem álcool poderia ser servida. Pesou-se toda a comida servida para cada grupo.
O grupo que consumiu álcool comeu 11% a mais de comida, equivalente a 30% mais de energia (tanto do álcool quanto da comida). O experimento não levou em conta nem o peso dos participantes, nem se já haviam ingerido comida antes, entre outros fatores. Ou seja, provavelmente a estimativa da quantidade de comida ingerida a mais não foi muito precisa; porém parece haver um aumento no consumo de alimentos relacionado ao consumo de álcool.
: Se você sair e beber, você provavelmente vai comer mais do que se você não bebesse!
Mito 4: Uma taça de vinho tinto por dia faz bem
A origem desse mito está relacionada ao Paradoxo Francês: empiricamente percebeu-se que apesar da dieta dos franceses ter uma alta concentração de gorduras saturadas, a incidência de doenças coronárias nos franceses é relativamente baixa. Alguns cientistas, ao verem esses dados, perguntaram-se se o motivo poderia ser porque o vinho tinto faz bem a saúde, contrapondo os efeitos da alimentação. A explicação seria que o vinho é um alimento rico em polifenóis, os quais melhoram a reatividade vascular, ou seja, a capacidade da artéria se dilatar. A dilatação das artérias é importante para facilitar a circulação do sangue.
Experimento apresentado: Um único participante foi para uma clínica, onde mediu-se a dilatação de suas artérias. Após consumir uma garrafa de vinho, a dilatação das artérias foi medida novamente. Também mediu-se a quantidade de polifenóis em diferentes tipos de vinho, e também em outras bebidas e alimentos.
Constatou-se que algumas artérias do participante estavam mais dilatadas. Claramente, vários fatores poderiam confundir os resultados desse experimento, porém o experimento reproduziu resultados de outros estudos maiores, os quais supõem-se preocuparam-se em controlar os fatores relevantes. Na tabela 2 mostramos a concentração de polifenóis em uma taça grande de vinho: quanto mais escuro o vinho, maior a quantidade de polifenóis. Isso mostra que o vinho tinto é mais saudável que o vinho branco. Porém outros alimentos mais nutritivos também são boas fontes de polifenóis. Por exemplo, 350 ml de chá, 25g de chocolate com 70% de cacau e 24g de nozes têm a mesma quantidade de polifenóis que uma taça de um vinho tinto padrão.
Alimento | Polifenois |
---|---|
Vinho Tinto (Sacrantino) | 737 |
Vinho Tinto (Cabernet Sauvignon) | 402 |
Vinho Branco | 60 |
: O vinho tinto é mais saudável que o vinho branco, porém existem muitos outros alimentos mais saudáveis que o vinho tinto!
Mito 5: Beber antes de dormir melhora o sono
Muitas pessoas tomam uma dose de álcool antes de dormir, pois dizem que as ajuda a dormir.
Experimento apresentado: Um único participante foi para uma clínica de sono, onde mediu-se as ondas cerebrais durante a noite. Antes de dormir, o participante tomou duas doses de whiskey. Claramente diferentes doses de álcool poderiam ter efeitos diferentes, e deveriam ser consideradas.
De acordo com os padrões das ondas cerebrais, constatou-se que o participante dormiu e entrou em sono profundo mais rapidamente que a média da população. Porém, esse padrão mudou ao longo da noite, passando a ser mais leve e fragmentado, pior que a média da população. De acordo com outros estudos, pessoas com menos de 40 anos conseguem ter uma boa noite de sono após ingerir álcool; porém depois dos quarenta anos a qualidade do sono após o consumo de álcool se torna, em média, pior.
: Após ingerir álcool, você pode até dormir mais rápido, mas provavelmente não terá uma boa noite de sono, especialmente se tiver mais de 40 anos!
Conclusão
Apesar da maioria das estatísticas apontarem que o álcool, em média, não faz bem para a saúde física, existem outros aspectos que devem ser considerados. Os experimentos do filme mostrados aqui não avaliam o efeito do álcool na mente. Mesmo sem evidências, minha sensação pessoal é que pode fazer bem, além, é claro, da sua contribuição para o aspecto social.
Para quem não sabe, a origem do livro Guiness dos Recordes está relacionada a cervejaria Guiness, como pode ser visto nesta reportagem da revista Super Interessante:
“O Guinness Book nasceu de uma discussão travada em 1951 entre Sir Hugh Beaver, diretor da tradicional cervejaria Guinness, e amigos que participavam de uma caçada na Irlanda: seria a tarambola (espécie conhecida no Brasil como lavadeira ou maçarico) a ave de caça mais veloz da Europa? Três anos depois, o assunto ainda causava polêmica no grupo. Uns argumentavam que outra ave, o tetraz, seria mais veloz. Foi quando Beaver chegou à conclusão de que polêmicas como aquela poderiam estar acontecendo diariamente nos pubs da Grã-Bretanha e que um livro que desempatasse as disputas teria um valor inestimável. Assim, contratou os irmãos McWhirter para uma detalhada pesquisa sobre números e fatos e, em agosto de 1955, lançou o primeiro Guinness Book of Records. Aquela edição, com 198 páginas, teve sucesso imediato e, até o final do mesmo ano, já figurava como best-seller no país.”
A ideia deste post foi a mesma: estimular algumas discussões relacionadas ao consumo de álcool que são corriqueiras nas mesas de bares e nas festas de final de ano no Brasil. E eu, pessoalmente, adoro essas conversas. Você nunca sabe quando vai ouvir algo interessante (mesmo que seja falso), ou uma besteira tão grande que não consegue parar de rir. E rir com os amigos, tomando uma cerveja, é, sem dúvida, um dos maiores prazeres da vida.
Eu adoro álcool. Bebo socialmente; as vezes bebo até sozinho. Me ajuda a relaxar e a pensar. Quando escrevo estes posts, quase sempre reflito sobre o problema tomando alguma bebida alcoólica, para depois escrever minhas conclusões. As conclusões são a parte mais importante de qualquer argumento; é aquele pedacinho do texto que tem mais chance de marcar uma pessoa, de se perpetuar; então devem ser escritas com calma, com cuidado, sem pressa. Nada melhor do que uma cerveja para acompanhar!
Aproveitando o gancho, este provavelmente será meu último post por algum tempo. Não tenho certeza se voltarei a escrevê-los, porém pode ser que apenas diminuirei a frequência. Eu me diverti ao escrevê-los; virou um hobby para mim. Escolhi temas sobre os quais eu queria pensar, e que achava que também poderiam ser interessantes para outras pessoas. Porém percebi que ao escrevê-los, não tinha tempo para perseguir outros projetos que me interessavam, e além disso, hobbies não geram dinheiro. Não sinto que estes posts atinjam pessoas suficientes para justificar o investimento de tempo que eles requerem.
Tenho publicado um post por semana desde agosto, num total de 19 posts este ano. Para você leitor, que talvez não tenha visto todos os posts, vou listar abaixo os posts que foram mais importantes pra mim. Com eles tentei passar uma ideia que eu acredito ser importante:
- Um exemplo de viés de confirmação?
- A Estatística é preconceituosa?
- A falácia do “pior cenário imaginável”
- Violência sexual contra as crianças e o projeto de lei que proíbe homem de dar banho em criança nas escolas
- É possível ser imparcial?
- A interpretação do risco de câncer ao consumir alimentos processados
Gostaria de agradecer as mensagens de quem gostou dos meus posts e as críticas também. Meu objetivo, na maioria dos casos, foi promover o debate, provocar, e mais importante do que tudo, mostrar que a estatística é fundamental nos dias de hoje. Nos permite buscar respostas para quase qualquer pergunta que temos. Não precisam ser respostas definitivas, porém com certeza são um passo na direção da verdade. As descobertas da ciência são assim, em incrementos, dando pequenos passos em direção à verdade.
Finalmente, quero agradecer à minha mãe. Com certeza ela é a pessoa que mais me ajudou com os posts, sempre animada pra ler um novo post, me dando ideias, ajudando a construir meus argumentos e corrigindo meu português. Tenho certeza que este é o tema de post que ela menos gostou, pois ela não bebe; é irônico que justamente nesse post eu a agradeço publicamente.
É isso; aproveitem o final de ano, recarreguem as baterias, tomem uma cerveja, conversem com a família e com os amigos. Só não esqueçam que discutir não quer dizer brigar. Que todos tenham um feliz Natal e um ótimo Ano Novo. E pra finalizar, segue uma citação do Winston Churchill, um dos mais famosos primeiros-ministros britânicos:
“Sempre lembre que eu tirei mais do álcool do que ele tirou de mim.”